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Identidade Visual da Azul: Resultado dos 7 erros

A Azul Linhas Aéreas Brasileiras vem para mexer no setor de aviação civil e esquentar a briga entre as poucas operadoras existentes no Brasil. A princípio, isso é uma notícia boa, quando lembramos o estágio em que se encontra a qualidade dos serviços de transporte aéreo nacional. A empresa promete elevar o nível do atendimento, oferecendo vôos sem escalas pra muitas cidades não atendidas, colocando TV em todos os assentos e até quem sabe oferecendo algo melhor do que amendoim, pra quem paga R$ 300  por uma passagem. O nome Azul é simpático, simples, foi escolhido por votação popular e abre um leque muito amplo de possibilidades de exploração visual do conceito, tal qual foi feito pela operadora de celular Orange, na Inglaterra.

Depois de conhecer o nome, fiquei esperançoso de que a Azul fizesse algo melhor do que a concorrência tem feito, em termos de expressão visual de marca. Quando vi o resultado, fiquei da mesma cor da empresa: azul. Depois amarelo. Depois vermelho. Nunca uma identidade visual provocou tantas sensações coloridas em mim. Azul de passividade. Amarelo de enjôo. Vermelho de vergonha. Como uma empresa que se propõe ser moderna, honrar nosso país e aumentar o nível da aviação faz ISSO?

A seguir, coloco as 7 razões que justificam minha reação. Elas se baseiam no texto que está no site da companhia, na seção Imagem Corporativa (sic).

Erro nº 1: “A criação é de Gianfranco Beting, diretor de marketing da Azul.”

Começamos muito bem, com um diretor de marketing assumindo a tarefa de fazer um sistema de identidade visual (SIV). Na verdade não apenas diretor de marketing, mas um diretor-de-marketing-de-arte-arquiteto-faz-tudo. Não estou querendo dizer que somente designers podem fazer esse tipo de tarefa. Se um pipoqueiro, um cuspidor de fogo, um jornalista, um médico quiser fazer esse sistema, ele pode fazê-lo. Qualquer um pode, desde que tenha as “competências” para isso. E, amigos, as competências para construir um SIV não são poucas. Construir e eleger elementos de marca que sejam memoráveis e atraentes, tenham significado, sejam transferíveis e adaptáveis, possam ser protegidos legalmente, tenham resistência à aplicação em diferentes pontos de contato e impacto, atendam exigências ergonômicas etc., não é nada fácil. É um quebra-cabeças difícil. E não é daqueles para crianças de 3 anos. É para gente grande, com maturidade suficiente para combinar as peças nos lugares certos, sem afetar as que já estão posicionadas. 

Um diretor de marketing é uma peça essencial no processo, assim como a alta cúpula de empresa, visto que eles conhecem muito bem a natureza do negócio, sua posição atual, seu direcionamento, valores e crenças, enfim, aquilo que compõe a sua essência. Mas seu papel termina aí. Começar a projetar SIVs exige mais do que boa vontade e conhecimento administrativo, exige habilidades projetuais, que incluem a manipulação e gestão de recursos visuais, algo que não está ao alcance de quem não foi preparado pra isso. O diretor de marketing da companhia aérea Azul, que também já foi diretor de arte, deveria ser o primeiro a delegar essa tarefa para equipes de especialistas no assunto. O que acharia um diretor de marketing ao ver um designer tentando fazer estratégias de marketing, sem ter competência para isso?

Erro nº 2: “Este mapa “pixelizado” é a peça central da imagem corporativa.”

Quem conhece gestão de marcas sabe muito bem que imagens não são construídas ou controladas pela empresa, de modo que ninguém pode afirmar que a imagem será isso ou aquilo. O que é passível de ser controlado é a identidade, que é um conceito de emissão. A imagem é um conceito de recepção, e como tal não pode ser controlada, mas apenas influenciada. Essa imagem é como um quebra-cabeças que será formado com muitas das peças que a identidade fornecer. Se forem escolhidas as peças certas, a imagem formada poderá ser parecida com aquela que a empresa deseja. Mas não há como prever que imagem irá surgir, pois as peças vêm de muitos lugares, não apenas da identidade.

Erro nº 3: “A logomarca escolhida homenageia nosso país.”

Os erros presentes nessa frase vão desde o uso de expressões vagas como “logomarca”, que nada dizem, a problemas sutis de significado, como achar que identidade visual é um desenho. Ao invés de construir o sistema de identidade baseando-se primeiro no DNA da marca, depois na linguagem e estilo corporativo e por fim no código visual, o processo todo girou ao redor de “logomarcas” poderosas que definiriam um dos ativos mais importantes da empresa, que é sua identidade. Esse é um erro primário, de quem desconhece o papel vital de um sistema de identidade visual na formação de brand equity.

Além de demonstrar falta de conhecimento sobre princípios de construção de identidade, essa frase esconde uma premissa questionável: que vontade louca é essa de “homenagear” nosso país, vinda de um estrangeiro? Posso encarar isso como sendo sincero? Um empresário americano pode vir aqui, montar uma companhia aérea, estimular a competição no setor, preencher uma lacuna de mercado (viagens diretas entre cidades), enfim, tudo isso pode ser ótimo e representar um avanço na infra-estrutura do país. Mas agora dizer que a empresa Azul tem intenções nobres e sinceras de homenagear o Brasil, já é demais. Como vamos acreditar que um empresário estrangeiro norte-americano veio de longe pra homenagear o país dos outros? Santa inocência hein! O objetivo dessa empresa é o lucro em primeiro lugar, e esse papo de homenagem é apenas para criar simpatia nos brasileiros, para que eles enxerguem com bons olhos tudo que a Azul Linhas Aéreas faz.

Erro nº 4: “O uso intensivo da cor, aliado a traços modernos, aponta para nossa visão deste País no futuro: moderno, vibrante, inserido num contexto global, mas sem perder sua exuberância e alegria, traços marcantes de nossa nação.

Traços modernos? Vamos acordar hein! Aí tem de tudo, menos traços modernos, tio. Essa abordagem de quadradinhos é o que eu conheço como síndrome de Coreldraw, onde tudo fica com cara de quadradinho, retângulo, bolinha e círculo. Até a palheta de cores usada nesse mapa se parece com a do Coreldraw (reparem nos azuis).

Um mapa fragmentado não é coerente com a idéia da companhia de “integrar as regiões”, ligar cidades, enfim “unir” o país. Ficou tudo com cara de compartimentos isolados que, mesmo sobrepostos, ainda passam a idéia de caixas separadas, contradizendo a essência principal da Azul, que é a ausência de barreiras, de limites. Tudo o que vejo nesse mapa são limites!!

A escolha das cores é um capítulo à parte, não menos incoerente do que os demais. Empresas low-fare se orgulham de cortar custos, oferecendo passagens mais baratas por conta da economia que fazem. Daí vem um diretor de marketing (o mesmo da falida Transbrasil) e cria um símbolo gráfico que tem todas as cores. Cadê a economia? Qualquer pobre designer sabe que cada cor adicional no processo significa mais custos. Mais uma cor? Outra passagem de máquina. Mais uma cor? Mais um vinil de recorte. Mais uma cor? Mais uma linha no bordado. Mais uma cor? Mais uma mão de tinta. Custos, custos, custos, sem falar na questão ambiental, onde mais cor pode representar mais componentes voláteis orgânicos liberados na natureza, e lá vem super aquecimento. O dono da Azul se preocupa com o aquecimento das suas aeronaves, mas não se preocupa com o aquecimento do planeta.

Erro nº 5: A logotipia emprega uma clássica família tipográfica, a Helvética. Sempre atual, ela transmite segurança, solidez e seriedade, fundamentais numa empresa aérea como a nossa, focalizada primordialmente na segurança e na qualidade operacional”.

Além de um desenho incoerente com a visão do empresário, cores escolhidas sem critério, o diretor de marketing se orgulha da “logotipia” escolhida, a saber, Helvética. Em primeiro lugar, que história é essa de logotipia? Eu já ouvi falar de logotipo, icotipo, zootipo, geotipo, fitotipo, logo (como os franceses e norte-americanos usam), mas “logotipia”?

Em segundo lugar, usar Helvética, a família tipográfica símbolo da Suíça é “homenagear o Brasil”? Ei, cadê o conhecimento histórico tipográfico? A própria palavra “helvetia” significa “Suíça” em latim, e vem me dizer agora que usaram um símbolo nacional suíço pra homenagear nosso país?

Mesmo que não tivesse relação com outro país, o tipo Helvética é um tipo que perdeu sua personalidade, por ter sido associada com praticamente tudo no período modernista, principalmente na década de 70. Sabonetes pra cachorro, águas minerais, órgãos do governo federal, hidrelétricas, caneta de R$ 1,99, enfim, muitas marcas dividiram o uso dessa família tipográfica, do mesmo jeito que fizeram com AvantGarde, Futura, Times New Roman, Arial, dentre outras.

Imagine várias emissoras de TV que, querendo parecer diferentes, utilizassem a voz do Cid Moreira na maioria dos programas. Ou se todos os locutores imitassem a voz do Silvio Santos na Record, na Globo, na Bandeirantes ou MTV. Que personalidade eu poderia atribuir a esses locutores que se preocupam em imitar os outros? Nenhuma. Pois é isso que acontece quando se usa uma família tipográfica desgastada pelo uso. A identidade perde personalidade, a voz se torna comum e, ao invés de posicionar a marca como sendo única e especial, eu digo a todo instante que ela é tão igual quanto todas as outras. Igual à Webjet, que também é companhia aérea brasileira, e que usa um tipo sem-serifa estilo Helvética. Por acaso a identidade não é aquilo que identifica você, que lhe torna diferente? Faz sentido fazer uma identidade igual à de outros?

Mas como um tipo de letra tem tanta importância assim numa identidade? A família tipográfica é parte do que se chama “sugestão periférica”, que afeta a maneira como elaboramos as mensagens que recebemos via sistema de identidade visual. A teoria que explica como associamos determinada tipografia a uma marca, idéia, pessoa ou nome é a mesma do condicionamento clássico. Segundo ela, toda vez que apresentamos um determinado estímulo (ENC) acompanhado de outro (EC), obtemos uma reação não-condicionada (RNC). Quando sempre utilizamos Helvetica, acompanhada de um estímulo positivo, nos momentos em que não tiver mais esse estímulo, a família tipográfica sozinha é capaz de despertar as reações emocionais que o estímulo original gerava. Só que quando usamos Helvetica com estímulos diferentes, esse condicionamento simplesmente some, seja por habituação (estímulos repetitivos perdem efeito com o tempo) ou por falta de isolamento da relação tipografia-reação, que reduz a reação cognitiva esperada.

O diretor de marketing também defende a escolha da Helvética por acreditar que ela transmite segurança, solidez e seriedade. Esse é um discurso vazio, de quem quer justificar uma escolha sem critérios. Reflete também falta de conhecimento sobre o papel da identidade visual, pois não é a tipografia que significa isso ou aquilo. É o contexto que fornece significado, de modo que mesmo a melhor identidade visual pode se tornar inútil se for mal aplicada ou se o contexto for contraditório. Esse fenômeno tem o nome de dissonância cognitiva, que ocorre quando o argumento diz uma coisa, mas as sugestões periféricas dizem coisas diferentes.

Erro nº 6: O processo de criação e aprovação levou ao redor de oito semanas para ser concluído. Foram cinco rodadas distintas na criação da imagem e sua aplicação nas aeronaves, com opiniões vindas de todos os principais executivos da empresa.

De novo, não se criam imagens, elas são resultado do sistema de identidade. Uma identidade visual do porte de uma companhia aérea, criada em 2 meses, só podia dar nisso. Dois meses é o que se gasta no mínimo para fazer o levantamento da realidade institucional e comunicacional da empresa. “Cinco rodadas distintas na criação” é um nome chique para algo que lá em Barbacena tem outro nome: projeto mal-feito, que precisa ser refeito 5 vezes. A escolha dos elementos visuais de marca é um processo, e não um resultado. Quando feito da maneira correta, o sistema de identidade visual recebe o código adequado (cores, tipografia, símbolos, nome, logotipo, grafismos etc) sem precisar ser refeito, pois cada nova etapa do processo só acontece quando a anterior foi aprovada.

Erro 7: “Mais de 80 layouts diferentes foram examinados. O processo foi facilitado por um fator: David tinha certeza absoluta do que queria. Portanto, havia sempre um parâmetro claro para julgar as diferentes opções apresentadas”.

Apresentar oitenta layouts me parece mais insegurança do que um resultado de estudo fundamentado em escolhas adequadas. ”Já que vai ser na base da tentativa e erro, vamos dar vários tiros, pois quem sabe um deles acerta o alvo?” O que você pensaria de um arquiteto, médico ou advogado que precisasse de 80 tentativas pra atingir um objetivo?

Mostrar tantas opções e ficar esperando que o presidente da empresa faça a escolha, pode ser encarado como uma atitude positiva, de quem quer ter certeza de que todas as alternativas foram esgotadas e haverá menos chance de erro. Mas, também pode ser visto como o reflexo de um processo amador, onde houve tudo menos competência, juízo e responsabilidade, para lidar com algo tão importante quanto a identidade visual.

Publicado por Ricardo Martins

Ricardo Martins é professor de tipografia, metodologia visual, projeto de embalagens e design avançado de identidade visual da Universidade Federal do Paraná. Além de professor na UFPR, atua como designer gráfico freelancer desde 1993. É diretor institucional da ProDesignPR (www.prodesignpr.com.br), membro do Type Directors Club de Nova Iorque (EUA), da Sociedade Brasileira de Design da Informação (SBDI) e do Communication Research Institute, em Melbourne (Australia).

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